terça-feira, 29 de maio de 2012

Documentário: Botinada - A história do punk no Brasil

Botinada: A Origem do Punk no Brasil é um documentário que narra a história do início do movimento punk no Brasil, (1976 - 1984), e o paradeiro de seus protagonistas. O documentário foi produzido por Gastão Moreira e lançado pela ST2 em 2006. Foram quatro anos de pesquisa, 77 pessoas entrevistadas, milhares de horas nas ilhas de edição, 200 horas de vídeo e muitas imagens raras e inéditas compiladas pela primeira vez.


 
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                  Documentário
Completo:                                                                                                                                                                                                                                                                                                             
 DVD

  1. Introdução
  2. Quer Saber o que é Punk?
  3. Onde Começou o Movimento Punk no Brasil?
  4. A chegada da Informação
  5. Antes do Punk
  6. 1977
  7. LP's
  8. Ramones, Pistols e Cia
  9. Fitas K7
  10. Salões Punk
  11. Punk na Rádio
  12. Família
  13. Vila Carolina
  14. Primeiras Bandas
  15. AI-5
  16. Restos de Nada
  17. Condutores de Cadáver
  18. Cólera
  19. Primeiro Show Punk no Brasil
  20. Olho Seco
  21. Pontos de Encontro
  22. Gangues
  23. SP x ABC
  24. Bomba no Construção
  25. Grito Suburbano
  26. Compacto Lixomania
  27. Show no Gallery
  28. Luso Brasileiro
  29. Matéria no Estadão
  30. Salão Beta PUC
  31. Começo do Fim do Mundo
  32. Dispersão
  33. Paradeiro Atual
  34. Legado Punk              
                                                                                                                                                                                                                                                                                                     
As origens do Movimento Punk
O movimento Punk surgiu nos Estado Unidos da América com a banda Ramones. Enquanto o Rock and Roll distanciava os ídolos de seu público através da utilização da mídia, o movimento Punk aproximava os líderes e demais músicos do público em geral trazendo o princípio da música super simplificada: pouco mais que três acordes que poderiam ser tocados por qualquer pessoa sem uma mínima formação musical. Isso incentivava os jovens a criarem suas próprias bandas e a saírem tocando em encontros de Punk Rock. Pouco menos de um ano depois, o Punk Rock chega à Inglaterra, influenciando muitos jovens. Na Inglaterra, o Punk encontra uma atmosfera social ideal para o seu desenvolvimento. O desemprego campeava no país e a falta de perspectiva dos jovens ajudaram o Punk a se desenvolver. Após assistir uma apresentação dos Ramones, Mark Perry abandona seu trabalho e produz o primeiro fanzine Punk, o "Sniffin Glue" (cheirando cola), que se torna rapidamente um sucesso. Ainda na Inglaterra surgem os Sex Pistols, grupo lendário de Punk Rock, que passa a usar nas suas indumentárias roupas com a suástica, símbolos fascistas e comunistas, num evidente deboche aos valores políticos de seu tempo, com o apoio de Malcom MacLaren e Vivienne Westwood. O movimento Punk desde seu início se caracterizou por uma atitude debochada frente à sociedade de consumo, desprezo pelas ideologias e pessimismo frente ao futuro da humanidade. No Brasil o Punk chegou no final dos anos 70. Naquele momento o movimento se limitava às gangues compostas por adolescentes que imitavam o movimento Punk inglês. Naquele momento surgiram bandas como o AI-5, o Lixomania e o Restos do Nada. O movimento tomou força, de fato, nos anos 80. 
Naquela época o país vivia a Abertura Política e a Anistia aos antigos exilados políticos era um acontecimento importante. Enfim, o país ganhava maior liberdade de participação e manifestação. Em 1982, o Brasil tomaria contato com o lançamento do primeiro disco Punk: Grito Suburbano que reunia grupos como Cólera, Olho Seco e Inocentes. De lá prá cá, o movimento se desenvolveu muito nas periferias das grandes cidades onde se tornou uma alternativa para os jovens.Todavia, o que vemos nos últimos tempos é uma subversão desse movimento. Os jovens não conhecem a ideologia Punk e acabam se utilizando da estética Punk para cometer atos de vandalismo e crime. 
Nada mais triste que um atendente de lanchonete ser morto por quarenta centavos, por não querer vender um pedaço de pizza a Punks que só tinham esse dinheiro. Hoje, o movimento Punk busca uma nova identidade, mas seus membros não devem esquecer o conjunto de idéias que fez parte da primeira fase do movimento: a critica social, ao capitalismo e à sociedade de consumo.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Dica de Cinema: Durval Discos






Sinopse

Solteirão, com jeitão de hippie, Durval tem uma loja de discos e ainda mora com a mãe. Com a chegada do CD recusa-se a vendê-los, mantendo-se fiel ao vinil. O inesperado aparecimento de uma menina mudará para sempre as vidas de Durval e de sua mãe dominadora, mostrando que tudo na vida tem um lado A e um lado B, como nos velhos e eternos LPs. O grande vencedor no Festival de Gramado 2002, ganhador de sete Kikitos, incluindo melhor filme, dos júris oficial, popular e da crítica, melhor direção, roteiro, fotografia e direção de arte.

Por que assistir ao filme "Durval Discos"?


Durval Discos (2002)

                                                                                                          Por Marcelo Hessel


A diferença entre um vinil e um compact-disc? Além de vasta vida útil, de capa e encartes enormes, o velho bolachão possui a vantagem de ser racionalmente dividido em duas partes, coisa que os CDs não têm, a elucidativa separação dos lados A e B. No primeiro ficam os hits  potenciais, comerciais, no segundo as canções mais obscuras - alegria dos fãs - dificilmente incluídas em coleções "best-of".
Assim se explica, diante de um cliente, o simpático Durval (Ary França), o cabeludo dono de uma loja de LPs que dá nome a Durval Discos  (2002), filme de estréia da diretora e roteirista Anna Muylaert. Paulistana, formada em cinema pela USP, famosa pela colaboração em seriados infantis como Mundo da lua e Castelo Rá Tim Bum, Anna presta a sua homenagem aos saudosistas, sebos e aficionados musicais. Tudo isso com rara desenvoltura e, mais ainda, com um carinho transparente. 
A sua inventividade aparece logo nos créditos de abertura: com um plano-sequência que vai e vem pela Rua Teodoro Sampaio (um dos redutos musicais de São Paulo), a câmera exibe os nomes do elenco e da equipe técnica impressos em máquinas de pinball, camisas de futebol, cardápios de boteco, lambe-lambes de poste...
... E estaciona em frente a um sobrado, onde a história começa. Ali, o solteirão Durval, personificação do Peter Pan que estacionou nos anos 70, vive com a mãe, Carmita (Etty Fraser), e administra a loja, cujas pérolas da MPB fazem da seleção musical a primeira das qualidades do filme. Mas, apesar da melodia, as coisas não andam bem no sobrado. Quando Carmita já não cozinha mais a sua carne com cenoura e diz que perdeu a receita daquele doce fantástico, Durval decide contratar uma empregada para conservar a saúde da mãe, uma senhora que, afinal, já não é mais uma mocinha. Surgem então Célia (Letícia Sabatella), a nova empregada, e sua suposta filha, Kiki (Isabela Guasco).
Até esse ponto, Durval Discos prende o espectador pelas atuações encantadoras e, principalmente, pelo respeito com que Anna trata figuras tão marcantes - passíveis até, na mão de um roteirista desqualificado, de um retrato maldoso, caricatural. Seguisse tal passo até o fim, seria mais uma comédia de costumes, uma simpática crônica sobre pessoas paradas no tempo e presas no espaço. Enfim, um Alta fidelidade (High fidelity, de Stephen Frears, 2000) passado em Pinheiros.
Mas como todo vinil tem duas faces, o filme também surpreende ao mostrar o seu lado B, tão inquieto e instigante quanto qualquer lado B que se preze. Explicar mais seria covardia. Basta dizer que a segunda metade de Durval Discos tem um toque de Psicose (Psycho, de Alfred Hitchcock, 1960), com pitadas de non-sense, humor negro e uma certa brutalidade. A trilha sonora, a cargo de André Abujamra, agora alia Tim Maia e Jorge Ben com um incômodo compasso nervoso. 
A virada pode desagradar a audiência acostumada com comédias-família, mas, vista com sensibilidade, configura mais um ponto a favor da produção (não seria, afinal, graças ao lado A que Durval Discos sairia coroado da concorrida disputa do Festival de Gramado 2002 com sete prêmios). Ao fim da sessão, mesmo com a melancolia das cenas derradeiras, fica a certeza de que o filme não celebra somente os colecionadores de discos, mas todos aqueles que cultivam alguma fantasia numa cidade impessoal e violenta como São Paulo. 
Repare. Tudo aquilo que aparece na tela, em determinado momento, não é uma sandice descabida e gratuita. É uma realidade típíca da metrópole. Poderia muito bem estar na capa do finado Notícias Populares, por exemplo. Essa é a mensagem, então: na cidade de concreto, o afeto convive com a barbárie, e pode sobreviver a ela.

Filme Completo: DURVAL DISCOS 
  

Opinião:

O Filme Durval Discos é uma aula de cinema a quem gosta da arte. Uma abertura digna de Orson Welles. Muitos elementos, inclusive, como os ângulos inusitados de câmera, o aprofundamento de campo e o enquadramento que rebaixa o teto da casa, o que cria um aspecto de achatamento e deformação dos objetos em cena. Tudo isso foi visto em Cidadão Kane e parece que Anna Muylaert incorporou a seu trabalho. 
O trabalho de fotografia e câmera lembra, trazendo a comparação ao campo presente, o cinema de M. Night Shyamalan, em especial Corpo Fechado. Poucas vezes a câmera fica estática. O movimento suave de aproximação e recuo, além do artifício de dar o olhar subjetivo do protagonista (quando a câmera segue o olho do personagem), dão ao filme um respiro de criatividade e diferencial no meio do cinema chapa branca que se vê atualmente no mundo hollywoodiano. 
Se Durval Discos não trouxe uma estética moderna para o cinema brasileiro, como fizeram, Cidade de Deus e Abril Despedaçado, viaja no tempo e recria o cinema clássico alternativo americano, no qual Orson Welles se inclui como seu maior expoente. 
Bebendo nessa fonte, aliada à trilha sonora escolhida a dedo, a diretora construiu um filme repleto de cenas marcantes que vão ficar marcado na história do cinema brasileiro da Retomada. É exatamente esse aspecto que explica os sete prêmios recebidos pelo filme no último festival de Gramado. Como exemplo de cenas memoráveis, que ficam na mente do espectador ao final da sessão, incluo a abertura; a corrida de Kiki de bicicleta pela casa; a dança de Durval e Kiki em volta do balcão de discos ao som de "Mestre Jonas"; e a mais surreal das cenas, digna de um quadro de Dali - a composição de um cavalo montado por uma garota vestida de bailarina pintando a parede com uma vassoura embebida em sangue, um cadáver deitado na cama, uma senhora a arrumar o guarda-roupa, e tudo isso dentro de um quarto de um sobrado!!! Não posso esquecer de inserir outra cena magistral nesse rol de preciosidades - a volta de charrete pelo asfalto de São Paulo ao som de "Besta É Tu" com os Novos Baianos. Mais um momento magistral que há em Durval Discos
Pesando positivamente também está o elenco. Ary França, com seu cabelo enorme e cara de bobo inocente, passa toda a desilusão de um solteirão preso à mãe. Etty Fraser está sublime como essa mãe que, viúva, só teve como pedir socorro ao filho e nele se apoiar. Com a chegada da menina, o objeto de devoção da mãe passa a ser a pequena, a quem até um cavalo de verdade é dado e levado pra dentro de casa. Essa ligação, de um simples gostar torna-se obsessão e culmina com a loucura plena. Foi esse sentimento de transformação, de evolução da insanidade - muito bem caracterizado pela atriz - que fez com que o absurdo daquilo fosse realmente visto como absurdo.

Trilha Sonora: Mestre Jonas

quarta-feira, 23 de maio de 2012

1964 não foi um mero golpe militar; foi um movimento civil-militar

1964: Golpe Militar a serviço do Golpe de Classe

                                                                                                                                    Por Leonardo Boff

 O objeto da Comissão da Verdade deve sim, tratar dos crimes e dos desaparecimentos perpetrados pelos agentes do Estado ditatorial. É sua tarefa precípua e estatutária. Mas não pode se reduzir a estes fatos. Há o risco de os juízos serem pontuais. Precisa-se analisar o contexto maior que permite entender a lógica da violência estatal e que explica a sistemática produção de vítimas. Mais ainda, deixa claro o trauma nacional que significou viver sob suspeitas, denúncias, espionagem e medo paralisador.
Neste sentido, vítimas não foram apenas os que sentiram em seus corpos e nas suas mentes a truculência dos agentes do Estado. Vítimas foram todos os cidadãos. Foi toda a nação brasileira. Para que a missão da Comissão da Verdade seja completa e satisfatória, caberia a ela fazer um juízo ético-político sobre todo o período do regime militar.
Importa assinalar claramente que o assalto ao poder foi um crime contra a constituição. Configurou uma ocupação violenta de todos os aparelhos de Estado para, a partir deles, montar uma ordem regida por atos institucionais, pela repressão e pelo estado de terror.
Bastava a suspeita de alguém ser subversivo para ser tratado como tal. Mesmo detidos e sequestrados por engano como inocentes camponeses, para logo serem seviciados e torturados. Muitos não resistiram e sua morte equivale a um assassinato. Não devemos deixar passar ao largo, os esquecidos dos esquecidos que foram os 246 camponeses mortos ou desaparecidos entre 1964-1979.
O que os militares cometeram foi um crime lesa-pátria. Alegam que se tratava de uma guerra civil, um lado querendo impor o comunismo e o outro defendendo a ordem democrática. Esta alegação não se sustenta. O comunismo nunca representou entre nós uma ameaça real. Na histeria do tempo da guerra-fria, todos os que queriam reformas na perspectiva dos historicamente condenados e ofendidos –as grandes maiorias operárias e camponesas– eram logo acusados de comunistas e de marxistas, mesmo que fossem bispos como o insuspeito Dom Helder Câmara. Contra eles não cabia apenas a vigilância, mas para muitos a perseguição, a prisão, o interrogatório aviltante, o pau-de-arara feroz, os afogamentos desesperadores. Os alegados "suicídios” camuflavam apenas o puro e simples assassinato. Em nome do combate ao perigo comunista, se assumiu a prática comunista-estalinista da brutalização dos detidos. Em alguns casos se incorporou o método nazista de incinerar cadáveres como admitiu o ex-agente do Dops de São Paulo, Cláudio Guerra.
O grande perigo para o Brasil sempre foi o capitalismo selvagem. Usando palavras de Capistrano de Abreu, nosso historiador mulato, "capou e recapou, sangrou e ressangrou” as grandes maiorias de nosso povo.
O Estado ditatorial militar, por mais obras que tenha realizado, fez regredir política e culturalmente o Brasil. Expulsou ou obrigou ao exílio nossas inteligências e nossos artistas mais brilhantes. Afogou lideranças políticas e ensejou o surgimento de súcubos que, oportunistas e destituídos de ética e de brasilidade, se venderam ao poder ditatorial em troca benesses que vão de estações de rádio a canais de televisão.
Os que deram o golpe de Estado devem ser responsabilizados moralmente por esse crime coletivo contra o povo brasileiro.
Os militares já fora do poder garantiram sua impunidade e intangibilidade graças à forjada anistia geral e irrestrita para ambos os lados. Em nome deste status, resistem e fazem ameaças, como se tivessem algum poder de intervenção que, na verdade é inexistente e vazio. A melhor resposta é o silêncio e o desdém nacional para a vergonha internacional deles.
Os militares que deram o golpe se imaginam que foram eles os principais protagonistas desta façanha nada gloriosa. Na sua indigência analítica, mal suspeitam que foram, de fato, usados por forças muito maiores que as deles.
René Armand Dreifuss escreveu em 1980 sua tese de doutorado na Universidade de Glasgow com o título: 1964: A conquista do Estado, ação política, poder e golpe de classe (Vozes 1981). Trata-se de um livro com 814 páginas das quais 326 de documentos originais. Por estes documentos fica demonstrado: o que houve no Brasil não foi um golpe militar, mas um golpe de classe com uso da força militar.
A partir dos anos 60 do século passado, se formou o complexo IPES/IBAD/GLC. Explico: o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) e o Grupo de Levantamento de Conjuntura (GLC). Compunham uma rede nacional que disseminava ideias golpistas, composta por grandes empresários multinacionais, nacionais, alguns generais, banqueiros, órgãos de imprensa, jornalistas, intelectuais, a maioria listados no livro de Dreifuss. O que os unificava, diz o autor "eram suas relações econômicas multinacionais e associadas, o seu posicionamento anticomunista e a sua ambição de readequar e reformular o Estado”(p.163) para que fosse funcional a seus interesses corporativos. O inspirador deste grupo era o General Golbery de Couto e Silva que já em "em 1962 preparava um trabalho estratégico sobre o assalto ao poder” (p.186).
A conspiração, pois estava em marcha, há bastante tempo. Aproveitando-se da confusão política criada ao redor do Presidente João Goulart, tido como o portador do projeto comunista, este grupo viu a ocasião apropriada para realizar seu projeto. Chamou os militares para darem o golpe e tomarem de assalto o Estado. Foi, portanto, um golpe da classe dominante, nacional e multinacional, usando o poder militar.
Conclui Dreifuss: "O ocorrido em 31 de março de 1964 não foi um mero golpe militar; foi um movimento civil-militar; o complexo IPES/IBAD e oficiais da ESG (Escola Superior de Guerra) organizaram a tomada do poder do aparelho de Estado” (p. 397). Especificamente afirma: "A história do bloco de poder multinacional e associados começou a 1º de abril de 1964, quando os novos interesses realmente tornaram-se Estado, readequando o regime e o sistema político e reformulando a economia a serviço de seus objetivos” (p.489). Todo o aparato de controle e repressão era acionado em nome da Segurança Nacional que, na verdade, significava a Segurança do Capital.
Os militares inteligentes e nacionalistas de hoje deveriam dar-se conta de como foram usados por aquelas elites oligárquicas que não buscavam realizar os interesses gerais do Brasil; mas, sim, alimentar sua voracidade particular de acumulação, sob a proteção do regime autoritário dos militares.
A Comissão da Verdade prestaria esclarecedor serviço ao país se trouxesse à luz esta trama. Ela simplesmente cumpriria sua missão de ser Comissão da Verdade. Não apenas da verdade de fatos individualizados; mas, da verdade do fato maior da dominação de uma classe poderosa, nacional, associada à multinacional, para, sob a égide do poder discricionário dos militares, tranquilamente, realizar seus propósitos corporativos de acumulação. Isso nos custou 21 anos de privação da liberdade, muitos mortos e desaparecidos e de muito padecimento coletivo.

Leonardo Boff é teólogo, filósofo, membro da Iniciativa Internacional da Carta da Terra e escritor

Há muitos tipos de corruptos

O Corrupto

                                                                                                                                           Por Frei Betto

Padre Vieira, em São Luís do Maranhão, no sermão em homenagem à festa de santo Antônio, em 1654, indagava: "O efeito do sal é impedir a corrupção, mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção?" A seu ver, havia duas causas principais: a contradição de quem deveria salgar e a incredulidade do povo diante de tantos atos que não correspondiam às palavras.
O corrupto caracteriza-se por não se admitir como tal. Esperto, age movido pela ambição de dinheiro. Não é propriamente um ladrão. Antes, trata-se de um requintado chantagista, desses de conversa frouxa, sorriso amável, salamaleques gentis.
O corrupto não se expõe; extorque. Considera a comissão um direito; a porcentagem, pagamento por seus serviços; o desvio, forma de apropriar-se do que lhe pertence. Bobos são aqueles que fazem tráfico de influência sem tirar proveito.
Há muitos tipos de corruptos. O corrupto oficial é aquele que se vale de uma função público para tirar proveitos a si, à família e aos amigos. Troca a placa do carro, embarca a mulher com passagem cuesteada pelo erário, faz gastos e obriga o contribuinte a pagar. Considera natural o superfaturamento, a ausência de licitação, a concorrência com cartas marcadas.
A lógica do corrupto é corrupta: "Se não faço, outro leva vantagem em meu lugar". Seu único temor é ser apanhado em flagrante delito. Não se envergonha de se olhar no espelho, apenas teme ver seu nome estampado nos jornais. Confiante, jamais imagina a filha pequena a indagar-lhe: "Papai, é verdade que você é corrupto?"
O corrupto não sente nenhum escrúpulo em receber caixas de uísque no Natal, presentes caros de fornecedores ou andar de carona em jatinhos de empresários. Afrouxam-lhe com agrados e, assim, ele afrouxa a burocracia que retém as verbas públicas.
Há o corrupto privado. Nunca menciona quantias, tão-somente insinua, cauteloso, como se convencido de que cada uma de sua palavras estão sendo registradas por um gravador. Assim, ele se torna o rei da metáfora. Nunca é direto. Fala em circunlóquios, seguro de que o interlocutor saberá ler nas entrelinhas.
O corrupto franciscano pratica o toma lá, dá cá. Seu lema é "quem não chora, não mama". Não ostenta riquezas, não viaja ao exterior, faz-se de pobretão para melhor encobrir a maracutaia. É o primeiro a indignar-se quando o assunto é a corrupção que grassa pelo país.
O corrupto exibido gasta o que não ganha, constrói mansões, enche o latifúndio de bois, convencido de que puxa-saquismo é amizade e sorriso cúmplice, cegueira. Vangloria-se em sua astúcia em enganar a esposa e mentir aos colegas.
O corrupto nostálgico orgulha-se do pai ferroviário, da mãe professora, de sua origem humilde na roça, mas está intimamente convencido de que, tivessem as mesmas oportunidades de meter a mão na cumbuca, seus antepassados não deixariam passar.
O corrupto não sorri, agrada; não cumprimenta, estende a mão; não elogia, incensa; não possui valores, apenas saldo bancário. Se tal modo se corrompe que nem mais percebe que é um corrupto. Julga-se um negocista bem sucedido.
Melífluo, o corrupto é cheio de dedos, encosta-se nos honestos para se lhe aproveitar a sombra, trata os subalternos com uma dureza que o faz parecer o mais íntegro dos seres humanos. Aliás, o corrupto acredita piamente que todos o consideram de uma lisura capaz de causar inveja em madre Teresa de Calcutá.
O corrupto julga-se dotado de uma inteligência que o livra do mundo dos ingênuos e torna mais arguto e esperto do que o comum dos mortais.

Frei Betto é escritor e assessor de movimentos sociais, autor de “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco), entre outros livros. www.freibetto.org   Twitter:@freibetto.