sexta-feira, 25 de maio de 2012

Dica de Cinema: Durval Discos






Sinopse

Solteirão, com jeitão de hippie, Durval tem uma loja de discos e ainda mora com a mãe. Com a chegada do CD recusa-se a vendê-los, mantendo-se fiel ao vinil. O inesperado aparecimento de uma menina mudará para sempre as vidas de Durval e de sua mãe dominadora, mostrando que tudo na vida tem um lado A e um lado B, como nos velhos e eternos LPs. O grande vencedor no Festival de Gramado 2002, ganhador de sete Kikitos, incluindo melhor filme, dos júris oficial, popular e da crítica, melhor direção, roteiro, fotografia e direção de arte.

Por que assistir ao filme "Durval Discos"?


Durval Discos (2002)

                                                                                                          Por Marcelo Hessel


A diferença entre um vinil e um compact-disc? Além de vasta vida útil, de capa e encartes enormes, o velho bolachão possui a vantagem de ser racionalmente dividido em duas partes, coisa que os CDs não têm, a elucidativa separação dos lados A e B. No primeiro ficam os hits  potenciais, comerciais, no segundo as canções mais obscuras - alegria dos fãs - dificilmente incluídas em coleções "best-of".
Assim se explica, diante de um cliente, o simpático Durval (Ary França), o cabeludo dono de uma loja de LPs que dá nome a Durval Discos  (2002), filme de estréia da diretora e roteirista Anna Muylaert. Paulistana, formada em cinema pela USP, famosa pela colaboração em seriados infantis como Mundo da lua e Castelo Rá Tim Bum, Anna presta a sua homenagem aos saudosistas, sebos e aficionados musicais. Tudo isso com rara desenvoltura e, mais ainda, com um carinho transparente. 
A sua inventividade aparece logo nos créditos de abertura: com um plano-sequência que vai e vem pela Rua Teodoro Sampaio (um dos redutos musicais de São Paulo), a câmera exibe os nomes do elenco e da equipe técnica impressos em máquinas de pinball, camisas de futebol, cardápios de boteco, lambe-lambes de poste...
... E estaciona em frente a um sobrado, onde a história começa. Ali, o solteirão Durval, personificação do Peter Pan que estacionou nos anos 70, vive com a mãe, Carmita (Etty Fraser), e administra a loja, cujas pérolas da MPB fazem da seleção musical a primeira das qualidades do filme. Mas, apesar da melodia, as coisas não andam bem no sobrado. Quando Carmita já não cozinha mais a sua carne com cenoura e diz que perdeu a receita daquele doce fantástico, Durval decide contratar uma empregada para conservar a saúde da mãe, uma senhora que, afinal, já não é mais uma mocinha. Surgem então Célia (Letícia Sabatella), a nova empregada, e sua suposta filha, Kiki (Isabela Guasco).
Até esse ponto, Durval Discos prende o espectador pelas atuações encantadoras e, principalmente, pelo respeito com que Anna trata figuras tão marcantes - passíveis até, na mão de um roteirista desqualificado, de um retrato maldoso, caricatural. Seguisse tal passo até o fim, seria mais uma comédia de costumes, uma simpática crônica sobre pessoas paradas no tempo e presas no espaço. Enfim, um Alta fidelidade (High fidelity, de Stephen Frears, 2000) passado em Pinheiros.
Mas como todo vinil tem duas faces, o filme também surpreende ao mostrar o seu lado B, tão inquieto e instigante quanto qualquer lado B que se preze. Explicar mais seria covardia. Basta dizer que a segunda metade de Durval Discos tem um toque de Psicose (Psycho, de Alfred Hitchcock, 1960), com pitadas de non-sense, humor negro e uma certa brutalidade. A trilha sonora, a cargo de André Abujamra, agora alia Tim Maia e Jorge Ben com um incômodo compasso nervoso. 
A virada pode desagradar a audiência acostumada com comédias-família, mas, vista com sensibilidade, configura mais um ponto a favor da produção (não seria, afinal, graças ao lado A que Durval Discos sairia coroado da concorrida disputa do Festival de Gramado 2002 com sete prêmios). Ao fim da sessão, mesmo com a melancolia das cenas derradeiras, fica a certeza de que o filme não celebra somente os colecionadores de discos, mas todos aqueles que cultivam alguma fantasia numa cidade impessoal e violenta como São Paulo. 
Repare. Tudo aquilo que aparece na tela, em determinado momento, não é uma sandice descabida e gratuita. É uma realidade típíca da metrópole. Poderia muito bem estar na capa do finado Notícias Populares, por exemplo. Essa é a mensagem, então: na cidade de concreto, o afeto convive com a barbárie, e pode sobreviver a ela.

Filme Completo: DURVAL DISCOS 
  

Opinião:

O Filme Durval Discos é uma aula de cinema a quem gosta da arte. Uma abertura digna de Orson Welles. Muitos elementos, inclusive, como os ângulos inusitados de câmera, o aprofundamento de campo e o enquadramento que rebaixa o teto da casa, o que cria um aspecto de achatamento e deformação dos objetos em cena. Tudo isso foi visto em Cidadão Kane e parece que Anna Muylaert incorporou a seu trabalho. 
O trabalho de fotografia e câmera lembra, trazendo a comparação ao campo presente, o cinema de M. Night Shyamalan, em especial Corpo Fechado. Poucas vezes a câmera fica estática. O movimento suave de aproximação e recuo, além do artifício de dar o olhar subjetivo do protagonista (quando a câmera segue o olho do personagem), dão ao filme um respiro de criatividade e diferencial no meio do cinema chapa branca que se vê atualmente no mundo hollywoodiano. 
Se Durval Discos não trouxe uma estética moderna para o cinema brasileiro, como fizeram, Cidade de Deus e Abril Despedaçado, viaja no tempo e recria o cinema clássico alternativo americano, no qual Orson Welles se inclui como seu maior expoente. 
Bebendo nessa fonte, aliada à trilha sonora escolhida a dedo, a diretora construiu um filme repleto de cenas marcantes que vão ficar marcado na história do cinema brasileiro da Retomada. É exatamente esse aspecto que explica os sete prêmios recebidos pelo filme no último festival de Gramado. Como exemplo de cenas memoráveis, que ficam na mente do espectador ao final da sessão, incluo a abertura; a corrida de Kiki de bicicleta pela casa; a dança de Durval e Kiki em volta do balcão de discos ao som de "Mestre Jonas"; e a mais surreal das cenas, digna de um quadro de Dali - a composição de um cavalo montado por uma garota vestida de bailarina pintando a parede com uma vassoura embebida em sangue, um cadáver deitado na cama, uma senhora a arrumar o guarda-roupa, e tudo isso dentro de um quarto de um sobrado!!! Não posso esquecer de inserir outra cena magistral nesse rol de preciosidades - a volta de charrete pelo asfalto de São Paulo ao som de "Besta É Tu" com os Novos Baianos. Mais um momento magistral que há em Durval Discos
Pesando positivamente também está o elenco. Ary França, com seu cabelo enorme e cara de bobo inocente, passa toda a desilusão de um solteirão preso à mãe. Etty Fraser está sublime como essa mãe que, viúva, só teve como pedir socorro ao filho e nele se apoiar. Com a chegada da menina, o objeto de devoção da mãe passa a ser a pequena, a quem até um cavalo de verdade é dado e levado pra dentro de casa. Essa ligação, de um simples gostar torna-se obsessão e culmina com a loucura plena. Foi esse sentimento de transformação, de evolução da insanidade - muito bem caracterizado pela atriz - que fez com que o absurdo daquilo fosse realmente visto como absurdo.

Trilha Sonora: Mestre Jonas

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