domingo, 26 de agosto de 2012

No advento dos novos tempos - Transição Feudo-Capitalista


"Parece lícito ainda hoje supor que ocorreram certas transformações bastante significativas nas sociedades europeias ao longo dos séculos XV e XVI (...). Afinal, nem a modernidade propriamente dita, tal como nós hoje a identificamos, instaurou-se naquela época, nem se processou uma ruptura completa e abrupta entre a cultura medieval e a moderna." 
(Falcon, Francisco & Rodrigues, Antônio Edmilson. A Formação do undo moderno. Rio de Janeiro, 2006, p.2)

Nessa transição entre medieval e moderno os tópicos mais valorizados nos vestibulares são os seguintes:

1- Crise do Feudalismo e as Cruzadas

2- Renascimento Comercial e Urbano
3- Projeção da burguesia
4- Expansão Ultramarina
5- Formação das Monarquias Nacionais
6- Mercantilismo e Antigo Sistema Colonial
7- Renascimento Cultural
8- Reforma e Contra-Reforma



Entenderemos que inicialmente, a crise feudal foi produto de questões internas, ou seja, de antagonismos inerentes a qualquer sistema. No caso a produção limitada do mundo feudal torna-se inadequada ao crescimento demográfico que se acelera por volta do século XI na Europa Ocidental com o fim das invasões bárbaras. O aumento da exploração sobre os servos resultando em fugas e revoltas, acelera a crise já existente, agravando a problemática social para clericais e nobres.




Entender as Cruzadas como guerras patrocinadas pelo ocidente cristão contra a presença muçulmana onde quer que ela se encontre, mas, principalmente na Terra Santa (Jerusalém). Não negar o caráter religioso das cruzadas, porém não reduzi-las somente a esse aspecto. Livrar a Europa da pressão de servos descontentes e revoltosos, induzindo-os a uma perspectiva de sucesso espiritual e material, desviando a atenção para um inimigo comum (a servos e senhores) e externo; reduzir a densidade demográfica e conquistar terras, tentando assim eliminar, ou pelo menos minimizar a crise feudal; reunificar as duas igrejas cristãs (católica romana e ortodoxa). Eis aí os objetivos mais amplos desse movimento, que ao atingir Constantinopla com a quarta cruzada, reabriu o Mediterrâneo ao ocidente provocando o renascimento urbano e comercial.




No Renascimento Urbano e Comercial valorize as rotas (Mediterrâneo, mar do Norte e Champagne), as feiras e a organização do comércio com as guildas e hansas (ligas de comerciantes).

A produção manufatureira desenvolve-se em unidades próprias, as oficinas, com uma certa divisão do trabalho. As Corporações de Ofício organizando e tentando dar um certo padrão para a produção na Baixa Idade Média.


Concomitante ao comércio monetário destaca-se socialmente a projeção da burguesia que busca aproximar-se dos reis, representantes das monarquias nacionais (Estados Modernos). O rei consolidaria um Estado centralizado, intervencionista e protecionista aos negócios burgueses, unificando leis, idioma, exército e principalmente moeda, criando assim, condições favoráveis para o desenvolvimento do capitalismo comercial. 






O monopólio italiano sobre o comércio oriental após as cruzadas, se estenderá até o início do século XV, quando Portugal assume a dianteira da Expansão Ultramarina, que culminará na colonização da América, partilhada principalmente por Portugal e Espanha. 





O Antigo Sistema Colonial deve ser entendido como parte integrante do Antigo Regime europeu, representado economicamente pelo mercantilismo e politicamente pelo absolutismo. Nesse sentido ser colônia significa atender os interesses da economia central, mercantilista européia, fornecendo matéria prima tropical e consumindo manufaturas. 
Absolutismo   Poder Absoluto ao Rei, Religião   História e Mundo absolutismo estado


Absolutismo   Poder Absoluto ao Rei, Religião   História e Mundo absolutismo



O Pacto Colonial, um pseudopacto na verdade, consolida essa relação de dependência da colônia. A colonização clássica do mercantilismo europeu será a de exploração, baseada no trabalho escravo, monocultura, latifúndio e produção voltada para o mercado externo. Desenvolve-se porém, em menor escala com características exatamente antagônicas, a colonização de povoamento em áreas menos tropicais.












É natural que essas transformações econômicas (comércio monetário), sociais (projeção da burguesia) e políticas (formação das Monarquias Nacionais) alterem também a questão cultural e religiosa.



Em Florença no século XIV inicia-se o Renascimento Cultural, que irá se espalhar pelo mundo europeu ao longo dos séculos XV e XVI, difundindo uma visão mais racional, antropocêntrica e humanista, contrária portanto ao dogmatismo e teocentrismo medievais.

Na Alemanha, no início do século XVI, surgirá Martinho Lutero, o monge agostiniano, que com suas "95 teses" representará o início da Reforma Protestante, uma grave cisão para o cristianismo ocidental. Um de seus discípulos, João Calvino irá consolidar a aproximação do cristianismo com o capitalismo nascente, desenvolvendo a teoria da "predestinação", que julgava o acúmulo de bens e a estabilidade material como sinal de salvação. A reação da Igreja Católica torna-se oficial em 1545 com o Concílio de Trento.


Concílio de Trento - Reação Católica


Em Renascimento Cultural valorize menos as obras e autores e mais os antecedentes, características e desdobramentos. Em Reforma Protestante, além de sua contextualização, valorize seu significado histórico e sua relação com a burguesia e o capitalismo nascentes. Na reação católica, Contra-Reforma, a reorganização da Inquisição, a Companhia de Jesus e o Index, merecem destaque especial.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Francis Ford Coppola: Bonachão com mania de grandeza ou gênio talhado para grandes feitos?

  

                                                                                                                            Sérgio Alpendre

     Bonachão com mania de grandeza ou gênio talhado para grandes feitos? Visionário utopista ou perdulário irresponsável? Um George Lucas mais ousado ou um Orson Welles preso pelo espírito da Nova Hollywood? Dependendo do filme, uma ou duas dessas opções. Ou mesmo todas elas, nos casos extremos (Apocalypse Now, O Fundo do Coração). Francis Ford Coppola foi mais lembrado, durante alguns poucos anos deste século, como o pai da descolada Sofia Coppola do que como o cineasta de filmes emblemáticos de uma geração, e seu lugar entre os grandes diretores do cinema americano ainda é questionado.
      De aluno da U.C.L.A. e discípulo de Roger Corman (Tonight For SureDemência 13) ao papa do indie-sensível (Caminhos Mal Traçados). Do cinema grandioso ou doentio de chefões e apocalipses ao experimento com o neon e o cinema eletrônico (O Fundo do Coração), passando depois pelos filmes de encomenda (Peggy Sue, Jardins de Pedra). Dos delírios maneiristas (O Fundo do Coração, O Selvagem da MotocicletaTucker) e suntuosos (Chefão III, Dracula) aos filmes tateantes de meados dos anos 1990. Coppola construiu uma carreira inconstante, mas quase sempre pessoal e coerente. Um mesmo filme pode se revelar autoral e comercial ao curso de poucas sequências (Cotton Club). Um outro pode ter sido feito no meio do caos e ter se tornado uma das obras mais bem acabadas do cinema (O Poderoso Chefão).
      Por isso os críticos se dividem quando discutem seus filmes. Podemos imaginar uma mesa redonda em que cinco críticos debatedores escolham três filmes completamente diferentes entre seus preferidos do diretor, somando quinze filmes escolhidos no total. O preferido de um pode ser o decepcionante de outro, e vice-versa. Existem aqueles que, surpreendentemente, não gostam do primeiro O Poderoso Chefão. Há quem não goste deApocalypse Now, deteste Drácula, despreze O Fundo do Coração ou O Poderoso Chefão III. Alguns até defendemPeggy Sue ou Jack apaixonadamente.
      Há também os críticos ou estudiosos que rejeitam ou questionam a qualidade de sua filmografia. O crítico Robin Wood deixou Coppola deliberadamente fora de seu excelente livro From Vietnam to Reagan por achar muito difícil uma aproximação teórica com sua obra que faça algum sentido (ele também revela não achar Coppola grande coisa, mas este não seria o motivo principal). Alguns estudos sobre o cinema americano da Nova Hollywood surpreendentemente deixam Coppola como coadjuvante, como se Caminhos Mal Traçados e A Conversação não fossem paradigmas perfeitos dos sonhos daqueles jovens cineastas-cinéfilos. O fato é que na ligação pretendida por esses cineastas da Nova Hollywood, entre o cinema clássico americano e o cinema moderno europeu, Coppola é certamente uma das figuras mais importantes.
       Esta pequena, pessoal e parcial introdução pretende dar uma pitada dessa trajetória confusa, apocalíptica e megalomaníaca, que será percorrida com mais detalhes em nossa filmografia comentada e nos artigos que compõem o dossiê (nos quais fica comprovada, mais uma vez, a natureza conflitante dos juízos de valor que se criam a partir de sua obra).



Uma quase cronologia

      Coppola estreou no cinema com Tonight for Sure (1962), um sub-Russ Meyer que nada tem do Coppola que admiramos. Ainda sob as asas de Roger Corman, Coppola praticou algumas picaretagens, e dirigiu mais um filme que, apesar de ser claramente superior a Tonight for Sure, pouco acrescenta à sua obra: Demência 13 (1963). Sua estreia, de fato, acontece com You’re a Big Boy Now (1966). É quando ele deixa de ser moleque para virar homem, como sugere o título. Homem, mas ainda imaturo. O musical O Caminho do Arco-Íris (1968) confirma a falta de maturidade. No elenco estão Petula Clark e Fred Astaire, artistas que não pertencem à sua sintonia. Para piorar, o filme ainda tem mais de duas horas de duração.
       O ponto de virada vem com Caminhos Mal Traçados (1969), que é exatamente o tipo de filme autoral e independente que Coppola sempre quis fazer. Pena que não fez sucesso. Com o fracasso retumbante de THX1138(1971), ficção-científica produzida por ele e dirigida por George Lucas, Coppola só não se tornou um pária em Hollywood (algo que geralmente acontece com quem emplaca dois fracassos em seguida) porque teve seu roteiro para Patton - Rebelde ou Herói (1970) premiado com um Oscar. Isto abriu as portas para o passo seguinte, o maior de sua carreira até então, uma prova de fogo após a qual tudo seria diferente: a realização de O Poderoso Chefão (1972). De alguma maneira o projeto sobre uma família de origem siciliana que finca raízes nos EUA e enriquece com negócios escusos caiu em seu colo, tomou proporcões inesperadas e mudou o curso de seu caminho, antes traçado para a independência e o intimismo. Esse caminho em direção à megalomania se reforçou com O Poderoso Chefão II (1974)mas antes Coppola realizou mais um projeto pessoal, o ganhador da Palma de Ouro em Cannes, A Conversação (1974).
       Sua fase mais delirante se inicia com O Apocalypse Now (1979) e se aprofunda com O Fundo do Coração (1982), o primeiro de três filmes maneiristas que seriam em parte respostas à grandiosidade de seus filmes dos anos 70. No lugar dos grandes temas (Vietnã, Watergate) e das sagas (família Corleone), temos histórias simples, às vezes simples demais, em que o experimentalismo da forma domina (sobretudo no cinema eletrônico de O Fundo do Coração e no monocromatismo de tom intimista de O Selvagem da Motocicleta). Por outro lado, é também a fase dos projetos de encomenda, nos quais Coppola tem a autoria consideravelmente diminuída (Cotton Club, de 1984, Peggy Sue, de 1986, e Jardins de Pedra, de 1987). Com Apocalipse Now e O Fundo do Coração, os excessos tornam-se definitivamente a marca de Coppola, mesmo em filmes inicialmente modestos como O Selvagem da Motocicleta e Vidas Sem Rumo. Mas esses excessos o levaram a contrair dívidas imensas, que só seriam totalmente pagas com o sucesso de Drácula de Bram Stoker, dez anos depois.
        Após Vidas Sem Rumo (1983), brilhante adaptação do romance de Susan E. Hinton, Coppola só iria reencontrar a excelência em Tucker (1988), O Poderoso Chefão III (1990) e Drácula (1992), chegando perto com o incompreendido Cotton Club. Nesses três filmes brilhantes que fazem a passagem dos anos 80 para os 90 temos um alto nível de invenção visual. Tucker, filme que, como Iannis Katsahnias bem observou na Cahiers du Cinéma da época, emula com sucesso a publicidade capitalista americana dos anos 1940, tem momentos experimentais em sua montagem, que trabalha com a ausência de parcimônia entre os tempos e a contiguidade de espaços. Jeff Bridges está em uma sala, numa reunião, mas quando levanta já aparece em um hangar enorme, horas depois, sem que houvesse um corte para marcar a passagem de tempo ou mesmo separar um ambiente do outro. Numa citação a Cidadão Kane, fotos que se espalham pelo ar ao redor de uma cama são perseguidas pela câmera, sendo que uma delas nos leva à representação do momento em que foi tirada, exatamente como no filme de Welles. As conversas telefônicas são filmadas como se os dois interlocutores estivessem lado a lado no mesmo cenário.Tucker é uma obra-prima ainda pouco reconhecida.
       O Poderoso Chefão III é mais clássico. Mas ao mesmo tempo, é mais ousado visualmente e ritmicamente do que os outros dois da trilogia. Seus cortes são precisos como os de uma guilhotina. A decupagem está mais sujeita aos intrincados meandros das negociações que Michael Corleone deseja fazer com o Vaticano para limpar os negócios de família do que à classe e cadência habituais dos grandes mafiosos. Drácula, este grande filme de amor, parece retomar todas as possibilidades do cinema, algo que deixa A Invenção de Hugo Cabret parecendo brincadeira infantil em comparação. Câmeras do começo do século 20 foram usadas, trucagens à Méliès também. As fusões celebram um romantismo doentio, como um Rimbaud cinematográfico. É o fecho ideal para essa trinca de grandes filmes (deixando propositalmente de lado o apenas simpático Vida Sem Zoe, episódio para Contos de Nova York, de 1989).
             Após O Homem Que Fazia Chover, Coppola fica sem dirigir durante dez anos, durante os quais dedica-se à produção de seus vinhos (sua maior fonte de renda desde então), à produção de alguns filmes, entre eles os de sua filha Sofia, e a um projeto malogrado, Megalopolis. Volta com o irregular Velha Juventude, o mais próximo que ele chegou de Peter Greenaway, com seu maneirismo desajeitado como nunca antes,. Depois realiza o ótimoTetro, seu melhor filme desde Drácula. Obra de veterano que pode se dar ao luxo de arriscar e ousar, Tetroretoma alguns de seus temas fundamentais: família, juventude, tempo. É um brilhante renascimento cinematográfico.



Família, juventude, fuga… tempo

             O crítico francês Stéphane Delorme foi feliz ao escrever que os grandes subtemas de Coppola são a família e a juventude, com a transmissão de conhecimento entre gerações e ente queridos como espinha dorsal de suas tramas. Drácula mostra o conde da Transilvânia como um velho imortal que se disfarça em corpo jovem e procura uma maneira de reviver sua amada Mina, assassinada séculos atrás numa sangrenta batalha. O retorno à juventude é essencial para que ele reconquiste Mina (ou sua reencarnação) e retome a alegria de viver. Juventude é o mote de vários outros filmes, antes mesmo do óbvio Velha Juventude, em que Tim Roth rejuvenesce quarenta anos após ser atingido por um raio, ou de seu oposto, Jack, em que um menino perde sua juventude por envelhecer muito rapidamente. A juventude está no cerne de Peggy Sue, Seu Passado a Espera, em que a personagem-título volta ao passado, à adolescência em 1960, e descobre uma mãe surpreendentemente jovem  (pois seu parâmetro passa a ser a mãe no presente em que ela estava, não naquele passado em que Peggy era imatura). Na Trilogia O Poderoso Chefão, obviamente, temos a transmissão de conhecimento entre gerações, de um velho Don Vito para um jovem Michael e do velho Michael para um jovem Vincent (“não deixe que as pessoas saibam o que você está pensando” é um dos ensinamentos que passam pelas gerações). Além do trivial “são apenas negócios”, que ouvimos a rodo pelos três filmes, é comum a observação de que fulano está velho demais para os negócios (leiam, as mudanças que o tempo impõe aos mafiosos), que os novos tomam o lugar dos velhos, numa cadeia de transmissão que permite o ajuste aos novos tempos. O Selvagem da Motocicleta mostra um ídolo da rebeldia interpretado por Mickey Rourke transmitindo conhecimento para o irmão mais novo, Matt Dillon. Transmissão que encontrará eco no recente Tetro, em que um irmão busca retomar o elo de identificação com outro, mais velho, que vive sob pseudônimo em Buenos Aires, e extrair dele ensinamentos essenciais para o enfrentamento dos problemas da vida. Há também Vidas Sem Rumo, no qual a transmissão entre gerações é manca, mas vemos uma família se formar entre os adolescentes vítimas de brigas de rua com gangues rivais. E o veterano de Jardins de Pedra, que se identifica com o novato sedento de ação e da oportunidade de servir a pátria por enxergar nesse jovem o que ele mesmo era anos atrás, tenta passar o que aprendeu sobre a podridão da guerra tanto para o jovem com o qual se identificou quanto para os outros soldados.
        Outro tema importante em Coppola é a fuga, como nos lembra Bruno Cursini no texto sobre Caminhos Mal Traçados (dentro da filmografia comentada presente neste dossiê). A fuga do lar, do sistema, do tempo presente ou de algum outro incômodo, é o que buscam personagens em diversos filmes do diretor. Além de nortearCaminhos Mal Traçados, no qual uma mulher casada foge da vida previsível ao lado do marido, a tentativa de fuga é marcante em todos os filmes da trilogia O Poderoso Chefão, nos quais Michael Corleone tenta escapar, primeiro de um destino que lhe parecia trágico, depois da infelicidade e da solidão, e, por último, da culpa por ter matado o próprio irmão. Nos primeiros filmes dos anos 1980, a fuga é um tema óbvio. Os namorados querem fugir da constância para descobrir novos mundos em O Fundo do Coração. Os adolescentes querem fugir das brigas entre gangues e de seus próprios pais (ou irmãos mais velhos) em Vidas Sem Rumo. Em O Selvagem da Motocicleta, há uma tentativa de fuga das convenções sociais, da mesma maneira que Coppola foge do convencional. Os amantes de Cotton Club querem fugir da vigilância dos mafiosos donos de suas carreiras. Os negros do mesmo filme fogem do preconceito por meio do sapateado, que encanta os mesmos brancos que os desprezam fora do palco. Em Peggy Sue, a fuga do tempo presente, do destino que ela própria forjou para si (ah, se Michael Corleone pudesse voltar ao passado teria mudado muitas coisas). Há também a fuga que vitima os personagens impiedosamente. A juventude escapa ao protagonista de Jack, condenado por um raro distúrbio no relógio biológico que o faz envelhecer quatro vezes mais rápido que um ser humano normal. O pesquisador deVelha Juventude pretende fugir de sua vida infeliz quando é atingido por um raio, e é obrigado a fugir de sua amada quando percebe que ela envelhece rapidamente perto dele. Por fim, temos o Vincent Gallo de Tetro, fugitivo do pai, do passado, do irmão, de sua natureza e do próprio filho.
           Mas o elemento comum a todos os filmes de Coppola, como Delorme também destacou, é o tempo. O tempo que envolve Michael Corleone e o aprisiona numa redoma de poder e ganância. O tempo que é suspenso enquanto os adolescentes se escondem em uma igreja abandonada em Vidas Sem Rumo; o tempo que volta em Peggy Sue,Jardins de Pedra, Drácula, Velha Juventude, Tetro, e que voa implacável em Jack Velha Juventude. O personagem de Tom Waits em O Selvagem da Motocicleta, balconista de uma lanchonete barata, fala a respeito disso, logo após a primeira reunião entre pai (Dennis Hopper) e filhos (Rourke e Dillon) no filme: “O tempo é algo bem peculiar. Quando você é jovem, tem todo o tempo do mundo, gasta alguns anos aqui, alguns ali. Não importa. Conforme envelhece você se pergunta ‘Céus, quanto tempo me resta?’ Me restam 35 verões. Pense nisso: 35 verões”.
             Existe o tempo que Shirley Knight quer resgatar em Caminhos Mal Traçados, e o que Gary Oldman manipula emDrácula. Ou o que Tucker mal tem para desenvolver seus carros poderosos, em sua corrida contra o relógio, versão leve e menos traumática da corrida que Jack trava com seu próprio relógio biológico. O tempo é sonegado ao jovem que morre de leucemia em O Homem que Fazia Chover, mas está a favor do advogado idealista interpretado por Matt Damon no mesmo filme. Finalmente, o tempo não poupa um Don Corleone precocemente debilitado e envelhecido em O Poderoso Chefão III, incapaz de limpar o nome de sua família e de salvar sua própria filha de ser sacrificada pelos pecados que ele cometeu, além do tempo que a própria filha não teve para ultrapassar sua juventude e se relacionar com o pai. O tempo pode ser cruel ou generoso nos filmes de Coppola, pode até ser interrompido. Mas nunca deixa de ser um elemento importante em suas histórias. Talvez o tempo, afinal, confirme Coppola entre os grandes que o cinema nos deu.




domingo, 12 de agosto de 2012

Dica de Cinema: O Poderoso Chefão (Parte I) 1972





                   

 A história é aparentemente simples, mas a maneira com que Francis Ford Coppola, o diretor, consegue conduzir a trama é inteiramente deliciosa, beirando a perfeição em algumas cenas. A relação familiar é ponto de refúgio para a violência durante toda a produção (cenas de casamento, batizado e relações familiares são entremeadas de tiroteios, assassinatos, emboscadas etc). A dualidade entre frieza e amor é ponto alto na história, fazendo com que nos compadeçamos e odiemos ao mesmo tempo os protagonistas.

7 40 anos de <i>O Poderoso Chefão</i>
Todo o poder de O Poderoso Chefão é conquistado, também, graças às interpretações maravilhosas de Marlon Brando (que conquistou seu segundo Oscar de Melhor Ator [o primeiro tinha sido em Sindicato de Ladrões]) e de Al Pacino (que praticamente inicia sua carreira com esse papel). A trilha sonora é inesquecível, sendo lembrada por todos os adoradores do cinema até hoje. Além disso, os diálogos são inteligentíssimos, com algumas falas memoráveis, e o filme é repleto de seqüências cênicas antológicas.

   

Os 40 Anos de um Clássico do Cinema

      No final dos anos 60, Francis Ford Coppola estava no início de sua carreira quando conseguiu assumir a direção da audaciosa produção Poderoso Chefão (The Godfather, 1972, EUA), da Paramount Pictures. O filme seria uma adaptação do romance do escritor Mario Puzo, que estava em franca ascensão quando o drama começou a ser produzido. Enquanto o livro se passava nas décadas de 40 e 50, o filme seria ambientado nos anos 70 para baratear custos. A escolha de Coppola deu-se pela idéia de que pela sua juventude, ele seria rápido, barato e supostamente manipulável.
     Com o orçamento inicial de US$2,5 milhões, Coppola começa a trabalhar avidamente no romance, lendo e relendo o livro diversas vezes. Cada vez que o fazia, adicionava dezenas de notas de rodapé para orientar seu filme. Quais as cenas que deveria evidenciar, quais os momentos que seriam armadilhas e o que fazer para evitá-las, qual o primeiro sentimento que teve quando leu aquela passagem do livro e como transporta-lo para as telonas... tudo isso estava compreendido nas anotações do cineasta. A partir daí, começou a reescrever a adaptação que havia sido feita por Mario Puzo. Entretanto, estava preocupado. A cada dia a popularidade do livro crescia, enquanto ele continuava um mero desconhecido. Começou a discutir com os produtores, insistindo que o filme deveria se passar em sua época original e acabou convencendo-os. Mas será que conseguiria fazê-lo? Essa era exatamente a mesma dúvida dos produtores e executivos da Paramount.
    Com o roteiro pronto, Coppola começou a sugerir nomes para os papeis principais. Assim começaram também seus problemas com a produtora. "Se você disser o nome de Marlon Brando mais uma vez, está despedido", disse o presidente da Paramount na época para o diretor. Se Brando não era aceito (por sua notória excentricidade), o desconhecido Al Pacino, que até então só havia feito teatro, era considerado uma piada de mau-gosto pelos executivos.
O problema é que Coppola não conseguia imaginar outro ator no papel de Michael Corleone. Tinha que ser Al Pacino. "Seu rosto era perfeito", afirma o diretor sobre a escolha. Insatisfeitos, os produtores pediram uma enorme quantidade de testes. Robert de Niro, James Caan (o preferido da Paramount, que ficou com o papel de Sonny Corleone, irmão de Michael), Martin Sheen, Robert Redford e mais centenas de candidatos foram testados para o papel.
      Só que no meio de cada nova leva de testes que enviava para a Paramount, Coppola sempre colocava um novo teste de Pacino. No final o diretor acabou vencendo pelo cansaço. Al Pacino seria Michael Corleone. No entanto, um espião o acampanharia durante todas as cenas e, ao menor descontentamento dos produtores, o ator seria despedido e substituído. "Eu sei que não sou desejado", disse Pacino na época.
     Fazer com que aceitassem Marlon Brando para o papel de Don Vito Corleone foi um pouco mais fácil. Apesar da fama de encrenqueiro e de estar sempre atrasado, Coppola garantiu que Brando trabalharia sério, sendo um verdadeiro padrinho para ele dentro da produção. Obviamente que o teste de cena do ator também ajudou - e muito. Foi dele a ideia das próteses nas bochechas para que ficasse com aquela aparência estranha e a voz arrastada.

 51 40 anos de <i>O Poderoso Chefão</i>
As filmagens
      No começo das filmagens, Coppola era ridicularizado por toda a equipe de produção. Ninguém, além dos atores, acreditava nele ou em suas ideias. O orçamento inicial foi rapidamente estourado, passando para US$6,5 milhões. Sem dinheiro, muitas das cenas foram feitas por equipes com parcos recursos técnicos e de pessoal. Coppola teve que contar com a ajuda de muitos amigos, como George Lucas, para que tais sequências pudessem ser feitas. Com tantos problemas, o diretor esteve prestes a ser demitido diversas vezes durante a primeira semana de filmagens. Quando viu que a situação havia se tornado insustentável atuou como um verdadeiro Don. Demitiu diversos profissionais da equipe, seus traidores junto aos executivos da Paramount, o que causou um rebuliço na produção e postergou sua saída por mais alguns dias. Nesse período aproveitou para refazer algumas cenas e acabou mostrando que seria capaz de dirigir o filme.

O Poderoso Chefão
   The Godfather (no original) tornou-se um épico, recheado de momentos inesquecíveis do cinema. Cenas como o tiroteio na barraca de frutas, o assassinato no restaurante, Don Vito no canteiro de tomates, toda a seqüência de Michael na Sicília e muitas outras, estão vivas na memória dos cinéfilos mesmo 40 anos depois de seu lançamento. O filme conta a primeira parte da saga da famiglia Corleone. Comandada pelo respeitado Don Vito Corleone (Marlon Brando), a família mafiosa controla os negócios ilegais na Nova York dos anos 40 e 50, em constantes conflitos com outros grupos e dons.
     Don Vito tem nos filhos Sonny (James Caan), Fredo (John Cazale), Connie (Talia Shire) e Michael (Al Pacino) e na honra da família suas maiores motivações. A maneira como gerencia os negócios (bussinesse, no melhor inglês com sotaque italiano) com o auxílio dos capos (generais da máfia) e de seu consigliere (Rubert Duvall) é mostrada em detalhes elaborados.
     Entretanto, a gerência dos negócios pelos mafiosos não se resume apenas a contas e pagamentos. Assassinatos são parte constante desse dia-a-dia. O problema é que Coppola não gosta de violência... fato que levou o estúdio a considerar a contratação de um diretor específico para as cenas de ação que envolvessem mortes, tiroteios e explosões. Receoso que isso pudesse acontecer, Coppola descobriu então uma maneira muito interessante de lidar com os aspectos mais pesados da máfia.
     O diretor passou a agregar elementos sutis que distraem a audiência (e talvez ele mesmo) da barbárie das cenas mais fortes. Coisas como laranjas rolando no asfalto durante um tiroteio, um pé saindo pelo para-brisa durante um estrangulamento, formas bizarras de assassinatos, a desobediência aos princípios dos assassinato e muitas outras, foram incorporadas para dar mais textura à violência.
     O resultado de tanto esforço foi um filme grandioso, ricamente ilustrado em todos os sentidos. Um sucesso de crítica e de público que acabou rendendo três Oscar - melhor filme, roteiro e ator (Marlon Brando, que se recusou a receber o prêmio por detestar Hollywood) e encontrou seu espaço entre os clássicos imortais do cinema.
      A aceitação de O Poderoso Chefão acabou fazendo com que Coppola assumisse a direção e o controle total do segundo filme da série - O Poderoso Chefão Parte II, desta vez com liberdade criativa e US$11 milhões de orçamento.

  
Coppola, de camisa listrada, ao centro, dirige Marlon Brando, à sua direita, na sequência do casamento de Connie.

 "O Poderoso Chefão", vencedor de três prêmios do Oscar em 1972 (melhor filme; ator e roteiro adaptado) me conquistou na primeira cena. Quando Salvatore Corsitto, na pele de Amerigo Bonasera, pronunciou "I believe in America" (Eu acredito na América), percebi estar diante de algo diferente. Enquanto Bonasera, contava a história da filha "desonrada" por um americano, eu mal sabia que minutos me separavam de ver Marlon Brando em uma das maiores atuações da História.



 Um das melhores cenas do Poderoso Chefão (Parte 1)



Don Corleone se preparando para cena


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Faltou o Oscar de Trilha Sonora



Um Marco na História do cinema


As origens da Máfia

   Na Itália existem diversas máfias, sendo mais conhecida a "Cosa Nostra" (em português "nosso assunto" ou "nossa coisa"), de origem siciliana. A Camorra, napolitana, e a 'Ndrangheta,daCalábria são outras conhecidas associações mafiosas.
    A Máfia surgiu no sul da Itália na época medieval. Seus membros eram lavradores arrendatários de terras pertencentes a poderosos senhores feudais. Mas eles pretendiam dividir essas terras e, para isso, começaram a depredar o gado e as plantações. Quem quisesse evitar esse vandalismo deveria fazer um acordo com a máfia. Da Itália, a indústria da "proteção forçada" se espalhou para o mundo inteiro, em especial para os Estados Unidos. O filme The Godfather conta a história do crescimento da máfia nos EUA.
     A palavra "mafia" foi tirada do adjetivo siciliano mafiusu, que tem suas raízes no árabe mahyas, que significa "alarde agressivo, jactância" ou marfud, que significa "rejeitado". Traduzido livremente, significa bravo. Referindo-se a um homem, mafiusu, no século XIX, significava alguém ambíguo, arrogante, mas destemido; empreendedor; orgulhoso, de acordo com o acadêmico Diego Gambetta.
     De acordo com o etnógrafo siciliano Giuseppe Pitrè, a associação da palavra com a sociedade criminosa foi feita em 1863 com a peça I mafiusi di la Vicaria (O Belo Povo da Vicaria) de Giuseppe Rizzotto e Gaetano Mosca, que trata de gangues criminosas na prisão de Palermo. As palavras Máfia e mafiusi (plural de mafiusu) não são mencionadas na peça e foram, provavelmente, inseridas no título para despertar a atenção local.
     A associação entre mafiusi e gangues criminosas foi feita através da associação que o título da peça fez com as gangues criminosas, que eram novidade nas sociedades siciliana e italiana àquela época. Consequentemente, a palavra "máfia" foi criada por uma fonte de ficção vagamente inspirada pela realidade e foi utilizada por forasteiros para descrevê-la. O uso do termo "máfia" foi posteriormente apropriado pelos relatórios do governo italiano a respeito do fenômeno. A palavra "mafia" apareceu oficialmente pela primeira vez em 1865 num relatório do prefeito de Palermo, Filippo Antonio Gualterio.
    Leopoldo Franchetti, um deputado italiano que viajou à Sicília e que escreveu um dos primeiros relatórios oficiais sobre a máfia em 1876, descreveu a designação do termo "Mafia": "o termo máfia encontrou uma classe de criminosos violentos pronta e esperando um nome para defini-la e, dado ao caráter e importância especial na sociedade siciliana, eles tinham o direito a um nome diferente do utilizado para definir criminosos comuns em outros países."

O Filme O Poderoso Chefão é uma adpatação do livro de Mario Puzo de 1969